Publicado por: Daniel | agosto 24, 2009

Uma Jornada para Elysium – Parte 12: Doppelgänger

– 03 de Abril de 1990 Anno Domini – 16h02:

Berrei seu nome várias vezes, mas realmente senti que ele não estava mais comigo. De repente minha concentração foi guiada em outra direção, ou melhor dizendo, outras sensações. Começou com um leve formigar, uma espécie de comichão. Depois, foi evoluindo até sentir as primeiras lívidas sensações de dor. Eram dores físicas, do próprio corpo. Mais como um impulso do que um ato pensado, ousei em mexer o braço e o membro obedeceu. Até então de olhos fechados, abri-os e, iluminado pela luz do sol que cobria o rosto, notei que um dos meninos me puxava pelas pernas em direção às árvores que faziam as cercanias entre as ruas mais abaixo e a escola onde meu amigo estudava. Fechei-os novamente para poder pensar no que eu faria em seguida. Em tal momento, os movimentos pararam e curioso, abri os olhos para ver o que se passava em volta. Um menino cuidava de mim, mas estava visivelmente distraído prestando atenção na discussão dos outros quatro que estavam algumas árvores adiante. Eles, de certo, não esperavam que o meu amigo simplesmente apagasse e estavam confabulando algum plano para livrarem as suas caras. Quanto a mim, sentia muita raiva. Meu amigo havia sido exposto à humilhações, não somente agora, mas desde que eu o conheci. Era questão de tempo até que alguém recém-chegado percebesse como ele era e após isto, tirasse alguma vantagem do mesmo. Que instinto de supremacia é esse que desde de crianças, humanos tentam impor sua liderança demonstrando que podem abusar dos outros a seu bel prazer como atos de auto-afirmação? Timidez e inteligência eram as características mais marcantes do meu amiguinho e este era tipo de castigo era destinado à ele por ser exclusivamente assim? Se ele não prejudicava ninguém pelo fato de ser como ele era, o que ele fazia para merecer semelhante tratamento? Nada! A resposta era nada! Nada justificava, e quanto mais isso latejava na minha mente, mais o sentimento de raiva crescia. “É hoje que isto vai terminar!”, era meu único pensamento. Sei que prometi não interferir em nada, mas não aguentava apenas ver e não agir. Que me perdoassem os que estavam acima de mim, mas que se dane o futuro se eu puder e não fazer o que é certo no presente.

Aproveitei o descuido do menino que supostamente deveria ficar de olho em mim, mas que me dava às costas e peguei um galho que estava no chão. Mesmo com o corpo doendo, pus-me em pé numa fração de segundo e enraivecido ameacei perfurar o pescoço do menino visivelmente assombrado pela minha reação totalmente inesperada. A pressão do galho já arranhando o pescoço foi convincente e disse que era para ele ir em direção aos outros. Quando nós entramos no raio de visão dos demais, os murmúrios cessaram. Eu tinha a atenção de todos. Reunindo todas as forças que me restavam, vociferei: “Cansei de ser saco de pancada! Chega! Esta é a última vez que isto vai acontecer!” Em seguida empurrei o galho com um pouco mais de força e o menino soltou um grito de dor. “Se vocês não pararem de me perseguir, vou atravessar esse galho neste miserável e vou pegar vocês um a um… mas não vai ser hoje, vai ser quando vocês estiverem tranquilos, quando vocês menos esperarem…” e empurei mais uma vez o galho. Outro grunhido de dor ecoou nas árvores. O menino que estava no meu lado totalmente abalado disse: “A gente tava só brincando! Eu nunca mais vou fazer nada para ti, eu juro! Deixa eu ir embora! Por favor caras, vocês concordam, não é? Esse cara está maluco, ele está falando sério!”. Os outros podiam ver a sinceridade dos meus olhos e sentiram de fato que o destino parecido iria ocorrer a eles caso continuassem a importunar meu amigo. Então em um coro mau ensaiado todos concordaram. Afastei o galho do menino, mas não sem antes dar um empurrão que o fez bater de cabeça na árvore. Apontei o galho para todos e com o canto do olho disse apenas: “Já sabem…” e dei de costas, saindo das árvores em direção à escola. Meus pensamentos estavam focando apenas no meu amigo. Onde ele estava? Mas antes de conjecturar melhor o seu paradeiro, uma fraqueza abateu sobre mim e devo ter caído no meio do caminho.

Acordei com alguém chamando o nome do meu amigo… Em seguida, senti alguém lavando o meu rosto. Abri meus olhos e então notei que eu estava na sala da direção da escola, sentado em uma cadeira. As calças do meu abrigo estavam rasgadas na região dos joelhos e um filetes sangue que brotavam dali escorriam e mancharam parte do meu tênis branco. “O que houve contigo?”, peguntou a mulher. Recordando a maneira com meu amigo falava, disse apenas que não me lembrava, que eu devia ter caído perto da escola. “Eu mandei chamar a tua mãe”, disse a mulher. De fato, logo em seguida a minha “mãe emprestada”, entrou na sala com visível preocupação e me deu um abraço. “O que aconteceu, meu filho?”, ela indagou. Entoando as mesmas palavras que meu amigo falaria, disse “Eu não sei, mãe! Eu tava perto da escola, senti uma tontura e acordei aqui”. “Mas como tu conseguiu se esfolar tanto?”. “Devo ter caído no morro da pracinha, mãe!”, disse. A mãe do meu amigo agradeceu a mulher e fomos para casa. Durante aquela tarde consegui perfeitamente o jeito de falar do meu amigo desaparecido.

– 03 de Abril de 1990 Anno Domini – 20h45:

A noite chegou e nada do meu amigo fazer contato. Com um pensamento meio a contragosto, não pude deixar de pensar que possívelmente era a única vez que eu poderia sentir as coisas neste mundo, o cheiro do ar, o gosto da comida, o tato do corpo, embora este último ainda dolorido. Mas se meu amigo não voltasse mais? “Não pode ser”, pensei. Eu não queria substituir a vida de ninguém. Não era este o plano! Fui para a cama mais cedo neste dia. Antes de cair no sono eu pensei: “Volta amiguinho! As coisas vão ser diferentes agora, não precisa mais ter medo”. Mas ninguém respondeu… Lá pelas tantas, caí em sono profundo.

– 04 de Abril de 1990 Anno Domini – 07h37:

Acordei pela manhã e senti não comandava mais nada. Ouvi uma voz dizendo: “Obrigado! Eu sei o que tu fizeste por mim! Eu estava aqui também, mas tu não conseguia me ouvir! Ninguém suspeitou que tu não era eu…”, dando uma risada baixinha, mas sonora! “Pois é, mas vamos torcer que isso não ocorra mais, não é?”, perguntei. “Ah, claro, agora eu sei o nervoso que tu sente por apenas ver as coisas. Ontem parecia que eu estava vendo TV, mas era aquilo que tu enxergava”, completou. “Bom, te apura senão tu vai atrasar pra escola. Hoje o dia promete ser diferente.”, falei. “Acho que sim”, falou ele. “Vamos?”, disse. “Vamos!”, ele complementou…

Addendum

===============

Em uma sala enorme, havia uma grande mesa que atingia os limites daquela. No centro, duas figuras olhavam atentamente para uma vasilha contendo um líquido estranho. Deste líquido, imagens difusas trocavam de lugar com outras, as mais novas na superfície, enquanto as mais velhas se depositavam no fundo do recepiente. Após contemplarem por um longo tempo, um deles disse:

– Este foi um resultado interessante, diferente das outras vezes!
– Sim, de fato – completou o outro. Esta experiência promete render resultados diferentes dos demais…
– Mas aquilo que ele disse que tinha prometido não interferir, foi você que impôs? – perguntou a Voz.
– Foi.
– Mas por que?
– Porque eu queria que ele infrigisse esta regra – redargiu a outra Voz. Tinha de ser por vontade própria. Se eu dissesse que era pra ele interferir, ele poderia muito bem não fazer nada. Eu queria que isto partisse dele.
– Entendi. Parece que ele está despertando para o que ele realmente perdeu.
– Há indícios que sim – disse a outra Voz. De qualquer forma o resultado já é conhecido para nós.
– Apenas daquilo que nós não interferimos – lembrou a outra Voz.
– Isso é verdade. Ainda não consegui avaliar se neste caso nós podemos saber o resultado concreto
– Sim, eu sei – disse a Voz. Mas, supondo que neste caso nós soubéssemos, por que então olhar este momento se nós já saberíamos do resto?
– Porque parte dos nossos desígnios é acompanhar a jornada. Esta missão é garantir que tudo o que sabemos realmente aconteça…

Definição de “Doppelgänger” no Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Doppelg%C3%A4nger

CONTINUA…

Publicado por: Daniel | junho 18, 2009

Houveram momentos felizes

A dor da perda é uma das
piores dores que alguém pode ser submetido
pois diferente de um problema físico,
ela não se cura sozinha, não existem imunidades, nem anticorpos
É uma ferida latente onde uma olhada em um retrato,
ao som de uma música ou até mesmo uma lembrança aleatória remete
todo o teor de sensações que a saudade provoca volta…
Mesmo aqueles que víamos pouco
quando partem se tornam mais
presentes em nossos pensamentos
Deixamos de dizer e demonstrar algo que sentimos
pois apostamos que o próximo segundo será tão igual quanto ao anterior…
Por que brincamos de profetas da imutabilidade quando
na maior parte das vezes não conseguimos gerenciar nosso próprio tempo?

Não perca a oportunidade de dizer o quanto você ama uma pessoa,
O quanto ela significa para você, achando que sempre haverá uma próxima vez…
Não deixes nada para depois…
Mas em nenhuma hipótese a saudade abranda
E se for é necessário lembrar de alguém
Recordemos então, que em
algum momento… quando estávamos todos juntos,
Houveram momentos felizes…

A vida segue caprichosamente adiante…
Não devemos viver do passado, por mais doloroso
que seja o presente…
E mesmo se ninguém tiver a coragem de nos perguntar como seguiremos
daqui para frente…
Viveremos um dia de cada vez…
em respeito àqueles que partiram
Pois eles próprios não gostariam
que do nosso sofrimento resultasse
a recusa de existir para ver o próximo amanhecer…

As pessoas que consideramos nunca deixam de existir em nós…
Recolhemos nossos cacos
e nos contentamos ao ver nas imagens refletidas em nossa mente,
os rostos alegres,
escutamos o som das risadas
e sentimos o calor do abraço daqueles
que já não estão mais entre nós
Guardemos com afeto, aquele tempo…
Aquele tempo onde
houveram momentos felizes…

* Dedico este texto aos familiares das pessoas do Airbus A330 e à Mike Portnoy, baterista do Dream Theater que perdeu seu pai este ano para o câncer. Vivamos nossas vidas em honra à aqueles que não puderam mais estar entre nós, pois na verdade eles nunca se foram, continuam vivendo em nossos corações. De qualquer sorte, um dia a saudade cessará, pois ainda chegará o dia que, de alguma forma, todos nós nos reencontraremos.

– 02 de Novembro de 1989 Anno Domini – 00h29:

Acordei no meio da noite extremamente nervoso por vivenciar um sonho confuso e via apenas a escuridão. Esperei alguns minutos para meus olhos se acostumavam, a conhecida penumbra que deriva da escuridão total quando ainda há alguma luz capturado pelo aumento da íris. No entanto, passado alguns minutos, minha visão não tinha se tornado mais clara, tudo continuava tão escuro como antes. Despertando para a realidade, descobri que meus olhos nunca se abriram. Finalmente recobrei minhas lembranças e percebi que assim como não fora um sonho, os olhos também não eram meus e por isso não obedeciam aos meus comandos. Rendido pela minha condição de impotência fiz a única coisa que era possível. Tornei a dormir…

Mesmo depois de tanto tempo, perdura essa inquietação por saber que a minha a realidade é outra, diferente de quaquer uma que alguém tenha experimentado. Sou coadjuvante de outra pessoa. Não vivo a minha vida e muito menos a de outra pessoa. Não sou personagem, sou observador. Estes dois últimos anos tem sido uma rotina, aquela que fica mais evidente quando se é criança. É quase sempre a mesma coisa. Sob aquela luz bruxelante que provêm dos raios de sol que escapam das persianas da janela, o aconchego do travesseiro confortável sob a cabeça e a temperatura confortável das cobertas, alguém nos sacode na cama para nos despertar. Geralmente a mensagem é sempre a mesma: “Acorda! Não vai te atrasar para a escola!” Depois de nos desejarmos bom dia um para o outro,  arrastamos nossa preguiça para o banheiro. Escovamos os dentes e lavamos o rosto, e por fim,  levamos o pente para o quarto. Nos vestimos e olhando pra espelho interno do guarda-roupa, arrumamos o cabelo, embora muitos fios sempre ficam desalinhados. Com a mochila nas costas, saímos de casa e vamos pra escola, que fica apenas a três quadras dali. Conversamos um pouco durante o trajeto, sempre mentalmente, afinal com pessoas circulando na rua, meu amigo não poderia ser visto como alguma criança maluca. E como um garoto de 11 anos, naturalmente curioso, os assuntos e as perguntas poderiam ser as mais variados. Nossa conexão era estranha, pois eu não sabia o que ele pensava, mas poderia sentir tudo aquilo que ele sentia e isso dava algumas dicas quando suas as respostas eram condicionadas por uma repentina alegria ou por um mau humor ocasional.

Na escola, não era nenhum segredo para mim constatar aquilo que fora demonstrado quando nos conhecemos. Meu amigo era tímido e não se dava muito bem com os colegas. Embora ele sempre fizesse um esforço para reverter essa situação, era de pouco eficácia. O fato de ser muito quieto, fazia ele ser o alvo de piadas e chacotas grande parte do tempo. Eu sentia a tristeza dele por querer ser diferente e não conseguir. Para fazer ele se sentir um pouco melhor, eu dizia que aqueles que mexiam com ele, não mereciam realmente o valor de sua amizade, que chegaria ainda o dia que ele seria reconhecido pelos os outros como um menino legal. As vezes isso o confortava, as vezes, não. Felizmente, para driblar um pouco essa tristeza, estava a legítima vontade de querer aprender. Ele não tinha grandes dificuldades com as matérias e suas notas eram sempre satisfatórias.

Ao meio-dia estávamos de volta em casa, já com o almoço à mesa. A mulher que tomava conta dele, que em nossas conversas ele se referia como a “nossa” mãe, já que estávamos juntos, era uma mulher sincera e sempre que possível, compreensiva, que realmente amava o filho e que sempre tinha um idéia interessante para expressar. O “nosso” pai já era mais fechado, imerso sempre em seus pensamentos, mas sempre muito solícito quanto as vontades e desejos do filho. Enfim, uma família estável, onde uma criança poderia se desenvolver com afetividade e responsabilide ao mesmo tempo. O apartamento aonde morávamos era de tamanho médio, embora com alguma frequência nós ouvíamos os pais deles dizendo que não havia mais espaço para colocar as coisas. Era composto de uma cozinha pequena, uma pequeninha área de lavar, dois quartos, um de casal evidentemente maior e o outro era o nosso. Para completar, um banheiro pequeno, uma sacada na qual passávamos grande parte do tempo olhando os prédios vizinhos e a vegetação em volta, palco das nossas conversas, principalmente à noite quando meu pequeno amigo queria que eu mostrasse de qual estrela eu vinha, já que eu simplesmente não conseguia e outras nem queria explicar da onde eu realmente eu vim. A principal peça do lar era sem dúvida a sala, grande e generosamente bem distribuída, aonde passávamos parte das tardes vendo TV, deitados no sofá.

Apesar da aparente quietude do meu amigo, ele possuía alguns amigos no próprio prédio, onde passava grande parte do tempo brincando após a aula. Estes já o tratavam com mais respeito e consideração. Sentia que ele brincava com satisfação e com uma certa dose de liberdade, já que ele não precisava ficar na defensiva o tempo todo. Conforme as suspeitas da Voz, ele se tornara menos agitado depois da nossa união, tanto seus pais quanto os amigos dos seus pais notaram em diversas oportunidades, a mudança. Os pais dele explicavam para os outros que isso era devido a evolução natural do menino, mais atarrefado na escola e brincando por mais tempo já que ele estava entrando na pré-adolescência, podia ficar na rua até mais tarde, porém isto não convencia os mais céticos, alguma vezes, inclusive,  sugerindo se o menino não estaria sob o efeito de alguma medicação. Já para os próprios pais, nós combinamos que responderíamos sempre que nós – ou melhor dizendo – ele já não era mais criança, que ele era mais crescido e que não tinha mais idade para ficar de molecagem, que ele tinha que se comportar como gente grande… a típica resposta de criança que acha já é gente grande sem se dar conta que continua sendo apenas uma criança.

Após a janta, olhávamos o jornal local pela TV, única parte do dia onde todos se reuniam para ficar juntos e conversar sobre o dia com algum sossego. Em seguida vinha a novela, ficávamos entretidos por algum tempo, absortos na histórias que saiam das imagens e sons que vinham do tubo e de um alto-falante pequeno que ficava no canto inferior direito. Quando acaba a novela, era sinal de fim de noite para nós. Íamos ao banheiro, escovar os dentes e em seguida, nos despedíamos com um beijo de boa noite que geralmente era dado ao pé da cama. Mas nossa noite não acabava ali. Conversávamos ainda um bom tempo sobre tudo, a maior parte do tempo uma enquete de perguntas e respostas. Certa vez ele me perguntou:

– Tu já fez alguma coisa errada na vida?
– Não que eu me lembre – respondi.
– Então por que tu estás aqui comigo? – reforçava a dúvida. É que eu acho que não deve ser legal ser você, aí dentro de alguém sem poder fazer nada, sem poder se mexer, então tu deve ter feito coisa errada. Da onde tu veio tu disse que não podia voltar. Por que te deixaram sozinho aqui? Isso só pode ser castigo! Quem foi que te castigou?

Como responder? A lógica estava a seu favor, inocentemente falando, já que ele desconhecia a complexidade da vida. Se bem que todos nós não sabemos toda a complexidade envolvida, não é mesmo? Digamos que eu era um pouco mais experiente neste assunto. Enfim, tudo o que eu conseguia dizer era:

– Eu não sei. Eu também não entendo. Um dia eu gostaria de entender… Um dia tu me ajuda?
– Sim – falava com convicção – quando eu ficar maior e mais inteligente eu vou te ajudar sim…

E era assim, com uma grande inquietação, que eu passara a viver do lado dele, nunca querendo interferir em nada, mas ao mesmo tempo, desejando ter um significado por estar ali. Isto era de um equilíbrio extremamente complicado para mim. Somado a isso tudo, se tratava apenas de uma criança. Certos assuntos eram inadequados, ou pelo conteúdo ou pela compreensão. Teria de ser paciente e esperar que sua mente amadurecesse conforme o tempo. Mas de nenhuma sorte eu era ingrato para com ele, se não fosse o seu gesto, eu já não estaria mais aqui…

– 03 de Abril de 1990 Anno Domini – 15h54:

A visão ficou turva por uma fração de segundos, logo após um barulho metal colidindo contra o chão de pedra. Eram os latões de lixo próxima à quadra de esportes da praça. Duas pessoas nos ergueram do chão. Um filete quente de sangue passou por cima de um dos olhos, provindo da testa. O menino que estava na nossa frente desferiu outro soco e caímos desta vez sobre os latões já derrubados. Eram cinco no total. Outros dois estavam atrás de nós vigiando se tinha alguém por perto. Aquela já era a terceira vez.

– Tu te acha mais esperto do que nós não é, seu merdinha!? – falou o que tinha dado o golpe.

Imobilizado novamente pelos mesmos dois que nos juntaram do chão outrora, o mesmo menino já fechara o punho novamente na expectativa de acertar o próximo.

– Eu não te fiz nada! – meu amigo falou.
– Claro que tu não fez! Porque se tu tivesse feito algo aí sim tu iria apanhar muito mais! – disse o menino e mais uma vez fomos ao solo.
– Eu vou te surrar até eu me cansar e se tua família ficar sabendo eu venho te pegar todo o dia.

Depois da nona vez que caímos, o terror começou a tomar contornos mais definidos e senti meu amigo apavorado diante da perspectiva de apanhar todo o dia. Eu gritava com ele para ele tentar ficar calmo, que nós iríamos dar um jeito de fazer com que isso não acontecesse mais, mas com todo o corpo doendo, essa promessa parecia muito distante para considerar. O pavor foi aumentando, ele se debatia para tentar se desvencilhar dos dois que teimavam em segurá-lo, mas ele não conseguia. Ele já não falava quase mais nada e sua voz parecia mais distante. Já eu gritava cada vez mais alto mas estava começando a compreender que não mais me escutava. Senti sua presença cada vez mais fraca, como se ele tivesse se fechado apenas para o seu próprio mundinho. Até que em um determinado momento eu não sentia mais ele. Ele tinha sumido por completo. Eu estava sozinho…

CONTINUA…

Publicado por: Daniel | abril 22, 2009

No desprezo do anjo/Na lágrima do demônio

I. Unidade

Acredito que o ser humano nasce oco…
Viemos a este mundo não sendo nem bons e nem maus
Conforme vamos crescendo é que
misturamos as duas facções…
Adornados pelo livre-arbítrio dosamos
a quantidade daquilo que nos tornamos
E em uma combinação de recompensa/culpa/punição
vamos equilibrando nosso caráter perante os outros
em decorrência de nossas ações…
Dificilmente haveria unanimidade se somos bons ou maus
pois dependendo da que face que mostramos somos um ou outro
Na essência somos os dois e nenhum ao mesmo tempo…
e isso desperta os mais variadas reações dos
nossos vizinhos dos planos superior e inferior…
No desprezo do anjo pela inveja de não estarmos atrelados
a nenhum código de conduta, pois independente de um julgamento, podemos tentar todos os caminhos…
Na lágrima do demônio por entender que nada do que ele faça o livra de sua própria condição…

II. Pluralidade

Se existe alguma imparcialidade na dualidade do
nosso lado bom e mal em uma amostragem singular
Esta visão desaparece quando na análise entra a totalidade, o coletivo
O fato que nossa raça tende a subjulgar as outras
Nossa flexibilidade e inteligência sempre foram estimuladas a explorar,
a extrair das outras espécies todos requisitos necessários ao nosso bel prazer,
necessidades reais ou simples vontades banais…
Isso sem contar o trato com nós mesmos,
sempre individualistas, opiniões e certezas
lapidadas sempre sob uma única ótica, a nossa…
Nosso desapego com nosso semelhante,
compartilhamos a dor, mas não repartimos nossas alegrias…
Se houvessem seres mais evoluídos que nós e fosse determinado
que somos mais um mal do que um bem neste mundo,
e por isso, nosso castigo fosse a extinção,
você daria a sua vida de bom grado?
Mesmo nossa querida humanidade sendo assim, totalmente
imperfeita, acredito que não
Sendo o mal ou não queremos sobreviver
Poderíamos ser repreendidos pelo desejo de viver
e continuar existindo?
Sendo estas características inerentes à nossa natureza ou não, ganhamos o desprezo do anjo,
pois apesar de todos os seus esforços, a humanidade permanece sendo o que é….
E a lágrima do demônio, solidário em saber como ninguém este ímpeto, este apetite
incontrolável pela destruição…

III. Anjo/Humano/Demônio?

Somos criaturas híbridas…
sempre passíveis de incertezas, inconsistências e
indagações…
Assim como seria impossível ilustrar nosso comportamento em um singelo
desenho em preto-e-branco, certamente faltariam muitas cores ali…
Podemos ser anjos e demônios, e mesmo que optássemos
ser apenas um deles, ainda assim poderíamos ser o outro, pois…
A chance da nossa condição de existência possibilita,
sob a carapaça de ser humano,
até a mais angelical das pessoas a realizar um ato vil
A oportunidade de praticar a humanidade pode culminar,
sob a carapaça de ser humano,
até a mais cruel das almas a exercer um gesto de bondade…

Publicado por: Daniel | março 17, 2009

Análise: Nosso lar é onde as pessoas pensam na gente?

Em um primeiro momento esta questão parece um tanto bobinha. Mas, pensando bem, não é.  É, inclusive, digna de reflexão. Veio à minha atenção através de um anime que eu acompanho, Naruto Shippuuden. Não me envergonho de afirmar que assisto animes, cada um tem as suas preferências, e eu tenho as minhas. Animes, quase sempre, são originados de mangás, e em grande parte dos casos tendem a projetar na telinha com fidelidade a história dos quadrinhos. Os personagens dos mangás são ricos porque são mais humanos e parecidos com a gente do que os demais. Eles possuem qualidades na mesma proporção que os defeitos… ademais, eles erram, acertam, amam, enraivecem, choram, têm uma porção de dúvidas e poucas certezas. E todos tentam resgatar antigos valores, que sempre serão apreciados seja qual for o tempo presente: amizade, honra e respeito. Nestes últimos episódios, a trama constantemente tem se voltado para a comentada questão. Nosso lar é onde as pessoas pensam na gente?

Para começar a esboçar uma resposta, sinto-me na obrigação de dizer que lar não é a mesma coisa que uma casa, um apartamento aonde moramos. O conceito de lar está intrinsicamente ligado a algo mais abrangente, mais abstrato. Julgo lar como sendo um local onde tu te sintas à vontade e ao mesmo tempo haja alguma variável de identificação nela e esta última não precisa ser necessariamente física. Um lar pode ser a tua casa, teu apartamento. Pode ser uma barraca, um casebre de papelão. Pode ser até debaixo da ponte se tu te sentires à vontade lá. Um lar pode estar representado, inclusive, por lugar nenhum, mas sim pela companhia que está contigo. E é aí que eu quero chegar porque isto responde a pergunta. Por isso, digo que sim, nosso lar pode ser onde as pessoas pensam na gente. Por vezes, vivemos cercados de pessoas estranhas em um mesmo lugar. Estamos bem instalados, mas quando entramos ali, cada um vive a sua vida, independente dos demais e a vida em conjunto acaba sendo demasiadamente reservada. Sentamos na cama, mas nada daquilo para que olhamos parece íntimo nosso. Tudo soa estranho. As pessoas geralmente não conseguem relaxar numa situação dessas e passam pouco tempo nestes lugares. Saem para escapar a tudo que está alheio à familiaridade delas. Posso estar falando de estranhos, mas muitas vezes isso pode acontecer na própria família. Existem famílias que só faltam os correios informarem por meio de uma carta que a visão de família já não vinga mais naquele recinto. Famílias com problemas remontados à gerações atrás ou recentemente. Muitas lesadas pelo histórico de álcool, drogas e abusos. Outras nem precisaram de aditivos, os próprios membros criaram as desavenças por serem intolerantes, intransigentes ou ainda por fazerem tempestade em copo d’água. Nestes casos, o local acaba sendo apenas um ponto de convergência entre os habitantes, mas como ninguém pensa em mais ninguém, a visão de lar já não está lá há muito tempo. Em contraste a tudo isso, muitas vezes nossos amigos, onde quer que eles vivam, proporcionam uma atmosfera de bem-estar onde nos sentimos queridos, onde podemos expor nossos problemas e pensamentos e, por fim, sermos compreendidos. Pessoas que pensam na gente, que se preocupam conosco e com o rumo de nossas vidas. Podemos não morar lá, mas quando adentramos, sentimos que “estamos em casa”, enfim, um lar.

Por tudo isso, não estaria nem um pouco incorreto em dizer que um lar depende mais das pessoas e de seus pensamentos com relação aos demais do que o lugar em si. Mas, e quanto a mim? Eu moro sozinho. Aprendi depois de um bom tempo a chamar aonde eu moro de lar, dada a minha identicação com lugar, de deixar a casa do meu agrado. Mas felizmente, minha família, aquela onde eu cresci, não teve o desfecho que eu citei acima. É outro lar para o qual eu poderia retornar, se assim acaso eu quisesse… Findo esta narrativa, com a frase do episódio 100 do Naruto Shippuuden: “Em qualquer lugar em que alguém esteja pensando em você, esse é o seu lar”. 🙂

Publicado por: Daniel | janeiro 22, 2009

Este Mundo Não Sabe Esperar…

Nesta moderna sociedade prolixa
de conspícuo exagero…
A palavra amor é banalizada
pois apesar de muito proclamada
ela é, de fato, pouco sentida…
E assim também são as relações…
Pessoas buscam relações instantâneas,
descompromissadas, como se houvesse alguma
vantagem nisso…
Como se compromisso fosse o antônimo de liberdade
De que vale lembrar de algo que nem houve tempo hábil para absorver?

Como zelar um relacionamento onde nada foi planejado, nada construído?
É que as pessoas não querem se relacionar,
apenas sentir algo bom mesmo que seja apenas por um instante
Mal elas sabem que se fosse algo cultivado, elas não precisariam mendigar
E nesta brisa passageira de bem-estar é que eu percebo que…
Este Mundo Não Sabe Esperar…

A demanda baseado na pressa é grande e,
ao mesmo tempo, confusa…
pois passado a curtição, o que se pode esperar a seguir?
As pessoas se despedem do rápido contato sem nem
ao menos conseguir nomear o que uma significa para a outra
e muito menos o que cobrar….
E como projetar um sentimento baseado
apenas no imediatismo de um beijo?
Conquista sem valor, sensações sem méritos…
Infelizmente, o troféu está na quantidade e não na qualidade das relações…

As pessoas pulam o antes, o durante e
vão direto para o depois
Relações frívolas, confundidas entre
o fim e o começo, pois não se sabe o que originou o que
É quando as ações vêm antes dos sentimentos que fica evidente que…
Este Mundo Não Sabe Esperar…

Neste contexto eu sou diferente…
E por causa disto sofro desta inequação
Sinto que corro na contramão pois…
eu escolho primeiro conhecer
para depois me apaixonar…

Publicado por: Daniel | dezembro 31, 2008

Uma Jornada Para Elysium – Parte 10: Simbiose

– 25 de Outubro de 1987 Anno Domini – 03h33:

Longos minutos que pareceram durar uma eternidade transcorreram desde aquela afirmação… fiquei no meu canto em pleno silêncio na sorte do menino não notar minha presença e pensar que eu fosse apenas a imaginação inquieta dele. Contudo, meu plano não surtiu o resultado esperado…

– Eu sei que tem alguém aí! – afirmou mais uma vez em um tom silencioso para não acordar as outras pessoas da casa.

Em seguida, ele sentou na ponta da cama, me encarando furtivamente. Imóvel, permaneci por mais alguns minutos com seus olhos sob a minha mira, até que insistência dele tornou inévitável, não havia mais como fazer de conta de que nada estava acontecendo:

– Oi – disse eu, meio sem jeito.
– Tu viu meu avô? – perguntou ele.
– Como?
– Meu avô! – repetiu. Tu viu ele?
– Não – respondi.

Visivelmente ele ficou triste com a minha resposta e depois disso, ficou mudo…. Então, para quebrar o silêncio, tentei me expressar de uma forma superficial já que o assunto era delicado:

– Ele foi embora?
– Ele morreu há duas semanas atrás – falou baixinho. Eu pensei ele tivesse mandado algum recado pra mim.
– Tu não conseguiu se despedir dele? – perguntei.
– Não… ele não morava aqui. Ele morava longe. O pai me buscou na escola e a gente tentou viajar rápido, mas quando eu cheguei lá, ele já tinha ido embora… Tu sabe pra onde ele foi? É da onde tu veio?
– Não sei, talvez sim – respondi, sem saber o quê falar. Para não continuar trilhando esta linha de perguntas e respostas das quais eu não saberia responder, decidi perguntar outra coisa:
– Tu gostava dele? Ele era legal?
– O Vô era muito legal! Ele brincava comigo quando eu ia visitar ele. Às vezes ele ficava sentado no sofá, fingindo que tava dormindo e quando eu chegava perto ele me dava susto… Ah! Ele também me levava no boteco perto da casa dele e me colocava sentado em cima das cadeiras altas e eu me sentia grande…. e depois me comprava uma coca-cola! Tá vendo o vidro ali?

Quando olhei na direção para onde ele estava apontando, enxerguei o reflexo distorcido do seu pequenino dedo atráves de um pote de vidro que estava repousando na estante.

– Estou vendo – disse.
– O Vô me deu ele e disse que eu tinha que levar toda vez ele vazio porque daí ele enchia pra mim de moedas… Ele falou pra mim que era pra mim colocar as moedas na poupança e esvaziar o pote porque ele tinha de estar vazio para que ele colocasse mais moedas da próxima vez…

Uma lágrima caiu em queda livre e se espatifou no carpete marrom. Imediatamente, outras vieram fazer companhia à sua irmã kamikaze e sofreram o mesmo destino.

– Eu não quero as moedas! – falou choramingando. Será que se eu devolver pra ele, ele volta? Tu devolve as moedas pra mim?
– Eu não posso voltar – falei. Se eu pudesse eu entregava sim – sem ter certeza de como eu deveria responder.
– Bom, um dia eu mesmo vou ter de entregar para ele então – disse ele entristecido. Mas a mãe disse que esse dia vai demorar… mas como ela sabe disso?
– Porque os pais sempre sabem das coisas.
– É mesmo – ele concordou. Mas eu tenho medo…
– Medo do quê? – indaguei.
– Medo que  esqueçam de mim…
– Como assim?
– Quando eu morrer e todo mundo que me conhece também, seria como se eu nunca tivesse existido… então eu tenho medo que ninguém se lembre de mim – afirmou.
– Tu não devia estar pensando numa coisa dessas, tu é apenas uma criança – respondi, assustado pelo assunto e raciocínio incomuns para um menino.
– Eu me sinto sozinho – afirmou ele, desviando completamente o assunto.
– Mas por quê? Tu tem teus pais, amigos…
– Eu não tenho amigos – ele respondeu. Todos na escola ficam rindo de mim. Eu não faço nada pra eles, mas mesmo assim eles não param de me incomodar! Eu até ajudo meus colegas quando nós temos prova, tema de casa… daí eles ficam legais comigo mas depois eles esquecem…e voltam a me incomodar…
– Tu quer ser meu amigo? – perguntou para mim.

Aquilo me pegou de surpresa… fiquei em silêncio por algum tempo… sem saber o que dizer e muito menos falar o que eu vim fazer ali… mas num dado momento, as palavras começaram a sair aos tropeços:

– Eu vim hoje te ver… sabia?
– Ah é? – ele respondeu.
– Tu tem medo de mim?
– Um pouco… – ele disse de forma sincera, típico de uma criança.
– Mas não precisa tá? – tentei tranquilizá-lo.
– E por que tu está aqui? – indagou ele.
– Eu preciso de um favor – falei meio sem jeito. Eu preciso que tu me ajude. Eu não consigo mais ficar aqui por muito tempo, mas também não posso mais voltar para “casa”.
– Mas por quê?
– Porque eu estou fraco demais.
– Então por que tu saiu de casa?
– Porque eu não tive escolha – disse, sem nem ter como explicar uma situação dessas para um garoto de nove anos.
– Mas como eu posso te ajudar?

Escolhendo as palavras com muito cuidado, falei:

– Eu preciso ficar junto contigo por um tempo porque eu estou muito fraquinho para continuar sozinho e como eu disse eu não posso mais voltar para casa… eu vou estar sempre contigo durante este tempo, provavelmente tu não vai me ver, mas tu vai me ouvir sempre que tu quiser ou então quando eu quiser dizer algo para ti…

Ele interrompeu a minha conversa de repente dizendo:

– Se eu te ajudar, tu vai ser meu amigo?
– Vou sim.
– Tu não vai fazer que nem os meus colegas de escola, não é?
– Não vou, tu és um menino legal.
– Vai ser meu amigo pra sempre?
– Pra sempre –  eu disse.
– Mas tu me promete uma coisa também? – perguntei.
– O que? – disse ele me olhando desconfiado.
– Tu promete tu não vai contar para ninguém sobre a gente? Nem para a mamãe e o papai?
– Tá bom, prometo. Mas o que eu tenho de fazer agora, então?
– Tenta dormir – eu disse. Pode deixar que eu cuido de tudo.

Ele voltou animado para seu travesseiro que estava do outro lado da cama. Cobri ele com o lençol até a altura da cintura. Ele olhou para mim pela última vez e com o primeiro sorriso da noite, disse:

– Boa noite, amigo!

Olhei para ele também e falei:

– Boa noite. Durma bem, meu amigo.

Ele fechou os olhos e ali eu permaneci em silêncio por um bom tempo até ele pegar no sono. Sem saber o que fazer em seguida, até porque não havia nenhum “manual de instruções” de como proceder com aquilo, apenas fiquei sentindo a energia que emanava daquele menino. Então resolvi encostar a minha mão no peito dele, na altura do coração e foi quando a transformação aconteceu. Minha estrutura começou a perder a forma e eu voltei para o estado gasoso, como uma névoa, mas ao mesmo tempo sendo sugado para o corpo do menino. A princípio me senti ainda mais fraco, mas depois as forças começaram a voltar graças à energia do menino. Cansado, também tentei dormir e quando eu consegui, meu sono foi embalado pelo ritmo calmo de um coração batendo…

CONTINUA…

Definição de Simbiose no Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Simbiose

Publicado por: Daniel | novembro 17, 2008

A Espera…

Todo e qualquer sentimento
manifestado em nós e por nós…
Por mais implícito que seja
reside no objetivo de atingir
alguém de alguma forma…
Nossas emoções carregam várias mensagens,
algumas subliminares, outras não…
Mas todas, sem exceção,
esperam alguma reação do destinatário…
E ansiosos, esperamos…

Esperamos dos outros…
as mesmas reações que teríamos
se soubêssemos das razões de nossos sentimentos…
Esperamos que os outros…
acabem de completar nossas próprias perguntas
mesmo que nelas não hajam respostas…
Esperamos que os outros…
não roubem nossa esperança de acreditar
que algo de bom possa advir, mesmo quando a
maré atinge violentamente os rochedos,fazendo o
farol ruir…
Esperamos dos outros…
a perspicácia para entender o que se passa à nossa volta
Esperamos dos outros…
o benefício da dúvida para aquilo que nos esforçamos
para explicar, embora não consigamos…
Por fim, esperamos pelas respostas dos outros,
somadas ao eco de nossa própria voz…

Porém nem tudo têm como alvo o próximo…
Algumas mensagens são dirigidas à nós mesmos…
Uma forma de racionalizar, se possível,
nossos próprios sentimentos…
Talvez uma comunhão entre o passado e o presente…
como um alerta, uma sirene clamando copiosamente
pela nossa atenção
Nossa experiência sendo posta à prova…
Esperando por uma reação que nasça de nós mesmos…
Que, angustiados, esperamos…

Esperamos de nós mesmos…
a perseverança de continuar onde antes desistimos
Esperamos de nós mesmos…
a tolerância de lidar com algo que antes julgamos intratável
Esperamos de nós mesmos…
não cair nas mesmas armadilhas do passado
Esperamos de nós mesmos…
não trair nossas convicções por um bonito retrato incompleto do futuro…
Esperamos de nós mesmos…
a coragem para interpor-se à algo nocivo que pode prejudicar alguém a quem
gostamos, mesmo que com isso sejamos mal compreendidos e por conseguinte, vistos como maus…
Esperamos de nós mesmos…
a força para fazer o que for necessário para deixar aos que vierem, um mundo melhor
do que era quando a gente chegou…
Esperamos, principalmente, ter em mente que mais importante do que aprender algo
é nunca esquecer o processo de como aprendemos aquilo…

Inevitavelmente, nem todas as perguntas terão respostas…
E por isso, entre seus anseios e desejos, surja uma insatisfação
Talvez nossa culpa por não fazer a pergunta certa…
Talvez nossa culpa por nunca saber o que esperar, ou mesmo quando a resposta chega,
ela nunca é boa o suficiente para você…
E neste caso, você continua procurando…
Ou ainda, afinal de contas…
porque talvez nunca houvera uma espera…
pois nunca houve pelo o quê esperar
porque talvez nunca houvera uma espera
pois nunca houve por quem esperar…

Quantas pessoas vocês conhecem que já agiram de modo suspeito numa dada situação? Ou melhor ainda: quantas pessoas vocês já viram sair com um sorriso no rosto enquanto o restante estava entristecido? De certo, a resposta seria “algumas pessoas”. Este é um comportamento comum do ser humano, fomos, somos ou seremos egoístas em algum ponto da vida. Mas a percepção de que isto é mais frequente hoje em dia não é uma mera ilusão. Pessoas que sim, não vêem mal algum pensar apenas em si mesmos e a frase que mais escapa pelas suas respectivas bocas é: “Se eu não pensar em mim, quem irá?”. De um certo ponto, existe uma certa lógica nisso. Somos impelidos, desde o século passado, acredito eu, a incorporar comportamentos que nós façam sentir especiais em detrimento dos outros. Um exemplo: observe em um ônibus, você acompanha com o olhar uma pessoa embarcando. Ela paga a tarifa ao cobrador e aonde tu acha que ela vai sentar? Ao lado de uma pessoa ou em um lugar vazio? Se tu embarcasse no ônibus, sentarias aonde? Hehehhehe, escolheria um lugar só seu, não? A sociedade está cada vez mais individualista e isso reflete no nosso modo de vida. O mercado já enxergou esta tendência há muito tempo. Hoje, os carros são menores, o número de produtos em supermercados que são empacotados em porções indivíduais cresce. Mas como uma pessoa egoísta enxerga as coisas. Em sua visão, o mundo o serve. A vida é um restaurante, onde todas as pessoas emergem da cozinha em diferentes horários, segurando bandejas e perguntando para você educadamente se você aceitaria aquela oferenda. O verdadeiro egoísta vê assim a forma como as coisas são. Bom, a pergunta ainda está no ar: “Pensar apenas em si mesmo é pensar apenas em si mesmo?” Na minha modesta opinião, não. É ao contrário. A melhor maneira de pensar apenas em si mesmo é pensar nos outros. Hã, mas como isso!? Eu explico…

Vamos pensar nas próprias pessoas e as coisas como recursos. O Ser humano sonha em alcançar, ao longo de sua trajetória, suas metas, sejam elas materiais e/ou sentimentais. Acontece que todo o indivíduo sonha com isso… não apenas você. Ao mesmo passo que, não somos pessoas independentes, somos completamente dependentes uns dos outros em algum grau, por menor que seja, mas somos. Alguém faz o pão comemos no café da manhã, alguém fica até tarde editando o jornal que você talvez tenha lido há cinco minutos atrás. Alguém faz as nossas vestes. Nascemos dependendo de alguém para nos criar. Estes são apenas alguns exemplos que mostram que sozinhos não seríamos capazes de sobreviver. A questão para quem é egóista é: Se você desejar ter tudo ao seu dispor, o que restará para os outros? Ou então, invertendo tudo: Se tu soubesse que não teria nada que tu queiras porque tu não estaria “predestestinado” à tê-las, porque outra pessoa “mais afortunada” teria tudo, que motivação tu terias pra continuar fazendo o que tu faz? Isso soa como uma idéia bobinha quando pensamos nisto em pequena escala. Mas na realidade, esses pensamentos não expressados por uma única mente, mais por várias. Todo mundo quer tudo. Contanto que eu tenha o que eu quero, pouca importa como meu semelhante irá fazer para sobreviver. Estamos sempre competindo e ao invés de cooperar. Nisso não somos diferentes dos nossos queridos irmãos primatas, disputando por bananas. O fato é que o mundo precisa de oportunidades. E nós somos o mundo. Todos nós. Temos de ser capazes de realizar as vontades das pessoas, de propiciar condições que façam as pessoas terem algo. Ajudar as pessoas a conquistar algo é a melhor maneira de ter a nossa oportunidade concretizada também, pois reforçaria a dependência que temos uns com os outros, alimentando os sonhos do próximo. Isso sem contar o fato de ser auxiliado, direta ou indiretamente por outra pessoa que também tenha isso em mente. Ou seja, é uma linha de pensamento onde todos ganham, todos têm uma chance. Outra coisa a considerar é parar para pensar na seguinte indagação: Quem tem tudo é realmente feliz e livre de preocupações? O que vemos hoje não é bem isso. Quem tem muitas posses, no nosso país, por exemplo, está sempre tomando precauções e de certa forma tem sua vida limitada por conta de ter seus pertences materiais e as próprias pessoas de quem gosta sob perigo. É o caso de pessoas ricas transformando suas casas em verdadeiras fortalezas com câmeras, grades, seguranças. Seus familiares não podem se dar ao desfrute de um passeio a hora que bem entenderem por conta dos riscos de serem assaltados, sequestrados ou sofrerem desfechos ainda mais execráveis. Aqui, se jogador de futebol começa a ganhar dinheiro, ele já se preocupa em colocar a família em um lugar seguro para minimizar os problemas. Se bem que, hoje em dia, nem precisa ser rico para correr riscos. Ter casa, carro já é pôr a cabeça à prêmio…

Se você é alguém solidário que faz o que faz para ajudar os outros, de coração mesmo, ótimo, não há nada que eu possa dizer senão agradecer por tornar a vida dos outros melhor. Mas se você não é tão altruísta assim, a mensagem que fica é que, em linhas gerais, realizar o desejo dos outros acena no final das contas, a possibilidade de conseguir aquilo que nós mesmos desejamos. Claro que eu não quero criar aqui uma utopia de bons samaritanos, todos se doando ao máximo. Infelizmente, temos um falha no nosso design que faz com que a gente não seja deste jeito, com raras exceções. Mas encare isso como um exercício. 😉

Publicado por: Daniel | novembro 4, 2008

Uma Jornada Para Elysium – Parte 9: A Procura

– 13 de Outubro de 1987 Anno Domini – 22h21:

“Estou triste. Sou refém de uma lista. A minha lista. Meu tempo é escasso e ela tornou-se a minha única esperança. A cada dia que passa estou mais fraco. Sinto perder as minhas energias… se esvaindo, e por isso, tenho que exercitar minha concentração para não perder meu foco em devaneios dos meus próprios pensamentos. Minha primeira investigação não foi bem sucedida. A primeira criança era uma garotinha de 6 anos, chamava-se Letícia. Ela ainda morava no mesmo lugar que estava descrito na sua ficha médica. Adentrei a casa dela depois da meia-noite, há 5 dias atrás. Uma sala de tamanho médio encontrava-se atrás da porta. Um urso grande me encarava, sempre vigilante, sentado providencialmente no sofá. Do lado do ‘guardião’, uma TV colorida adornada por um pano de crochê, e em cima dela, uma estátua de um boneco de aspecto engraçado. Era a prova que eu não me engara… havia uma criança na casa. Desloquei-me para um corridor comprido, porém estreito. Todas as portas do restante daquela casa pareciam dar naquele corredor. Com o cuidado devido, permitia rapidamente meu corpo invadir parcialmente cada aposento, até que encontrei o quarto que eu estava procurando. O quarto tinha uma janela com uma longa cortina rosa que batia até o chão. Ao lado dela, um armário, com várias bonequinhas de tamanhos variados estavam dispostas, cada uma dando as mãos à companheira adjacente. E mais encostado à parede que fazia divisa com o quarto de seus pais, estava a cama com um bidê, e nela, Letícia… Cheguei mais perto, bem devagar para contemplar aquela cena. Ela estava dormindo tranquilamente. Naquela hora uma pergunta invadiu a minha mente, uma que não foi respondida em nenhum momento pelo meu ‘mentor’ e tampouco mencionada na carta: como me unir a outro Ser? Talvez a resposta não fora dada de propósito, eu pensei, já que algo importante como aquilo não iria passar desapercebida pela Voz… talvez a intenção fosse que eu mesmo descobrisse. Porém, neste momento, recordei de um detalhe importante dito pela Voz, mais de uma vez: ‘Isso nunca foi tentado antes…’, ‘Isso é tão inédito para nós quanto é para ti…’. E se eles não responderam porque eles não sabiam como? Ou, além disso, e se não funcionasse justamente por não ser algo natural? Eu estava parado, atônito com aquela inquietação crescente que esquecera o que eu viera fazer naquele quarto. ‘Na hora saberei o que fazer, pronto!’, pensei. Cheguei mais perto dela, escutava sua respiração rápida. O meu desânimo apareceu quando constatei que eu não sentira nenhuma energia fora do normal, nenhum excesso emanando dela. Faltava o principal… Olhei para bidê ao lado. Haviam alguns frascos perto do abajur. Ela estava sendo medicada. Chegara tarde demais. Se alguma vez ela sofreu de hiperativismo, podia dizer que ela estava curada… Olhei mais uma vez para a doce Letícia enquanto uma tristeza tomava uma conta de mim. Não seria ela que faria eu participar deste mundo novamente…”

– 16 de Outubro de 1987 Anno Domini – 04h03:

“Sinto-me frustrado… A minha lista provou até agora ser um meio ineficaz para eu alcançar minha meta. Não que ela estivesse totalmente incorreta. Não posso culpá-la. Condená-la seria condenar a mim mesmo e eu preciso tanto dela! Ontem visitei a quinta criança. Era um menino. Como sempre, procurei a casa já tarde da noite em uma rua extensa. Depois de atravessar 12 quadras, sempre com cautela para ninguém notar a minha presença, encontrei-a sob o número 2328. Nela morava Cristiano, uma criança de 8 anos. Era uma casa grande, de dois andares. Atravessei a porta de entrada que dava para a grande sala de estar com grande lustre de cristal pendurado no teto. Abaixo dele, uma mesa de vidro enorme praticamente tomava conta da metade do espaço da sala. Do outro lado, dois conjuntos de sofá de dois e três lugares de couro branco chamavam atenção especial junto à uma mesinha de centro aonde havia vários anjinhos de mármore e com cada deles segurando um instrumento musical, incrivelmente bem trabalhados, entalhados com precisão. Como os quartos ficavam no andar superior, subi uma grande escada espiral feita de carvalho envernizado. Havia barulho em um dos quartos. Cheguei mais perto da porta e ouvi uma mescla de sons de TV com pessoas falando. Portanto o quarto a seguir deveria ser de Cristiano. Nele não havia nenhum som aparente. Atravessei a porta e naquele quarto grande todo decorado por posters de um militar com uma cara de brabo e vários bonequinhos semelhantes dentro de jipes e tanques de guerra espalhados pelo chão que eu vi o rosto de Cristiano virado para mim com olhos fechados, dormindo em sua cama. Cheguei mais perto para sentir se eu sentia algo de anormal nele, algum traço daquela energia que possibilitaria meu retorno. O resultado foi negativo. Me afastei já para a ir embora quando um barulho emergiu do quarto do lado. Xingões de parte a parte saíram daquele quarto e, em seguida, o som de um vaso se espatifando na parede corredor. Nisso, acho uma fresta entre o guarda-roupa a parede e me enfio nele. Foi o tempo exato para que Cristiano, assustado, pulasse da cama, tremendo, como se soubesse o que iria acontecer. Escutou-se o som de passos apressados na escada e o som forte de uma porta fechando. Cristiano voltou novamente para a cama e com as duas mãozinhas juntas pediu em voz alta que a mãe não entrasse no quarto. Mas suas preces não foram atendidas. Momentos depois, a porta foi aberta com violência. A mãe foi exatamente na direção de Cristiano e o agarrou com força pelo braço. O menino chorava, tremendo, enquanto a mãe ensandecida falava: ‘Se teu pai me abandonar, a culpa é tua!…. Ele sempre fala que sou eu que sou uma péssima influência… mas tu sabe de quem é a culpa aqui né? Se quando teu pai voltar para casa tu não te desculpar pela má criança que tu és e falar que tu vai ficar muito triste se ele deixar a gente… se tu não fizer isso, aí tu vai ver o que te acontece!’  Eu queria sair daquele lugar e proteger a criança daquilo. Porém, minha razão me convenceu de que sair naquele momento com certeza iria chocar uma criança já aterrorizada pela própria mãe megera… era tudo o que ele não precisava. Então, passivamente, contentei-me à observar aquela cena. A mãe fechara a porta com igual violência que adentrara a mesma. A criança, visivelmente abalada, encolheu-se num cantinho da cama e balançando o corpo para frente e para trás ficou naquela posição com os olhos vazios olhando para o nada. Apenas duas horas depois, ela se rendeu ao sono, adormecendo na mesma posição. Saí da onde eu estava escondido, profundamente entristecido pelo o que acontecera ao Cristiano e, mesmo com chance de ser descoberto, embora achasse improvável naquele momento, coloquei-o na posição horizontal e cobri ele com um cobertor.  Percebi que a lista não se enganara naquele caso. Os sintomas estavam certos. Aquele menino com certeza deveria sofrer de uma agitação intensa, mas pela causa errada. Ele não era hiperativo e sim sofria abuso por parte da mãe.”

– 25 de Outubro de 1987 Anno Domini – 01h15:

“Estou muito fraco para continuar a busca. Juro que não é falta de vontade. Mas o prazo está acabando… e além do mais, é a última criança. Todas as outras, ou possuíam outro endereço ou possuíam sintomas de hiperativismo mas não eram realmente, sofriam por outros fatores ou ainda, haviam aquelas já haviam sido medicadas. Este é o último. É um menino de 9 anos. Neste momento estou escondido em seu quarto, entre o guarda-roupa e a porta entreaberta, enquanto sua mãe pede para ele vá até o banheiro escovar os dentes. Pronto, ele está voltando. Vou esperar ele adormecer para averiguar se ele pode me ajudar…”

– 25 de Outubro de 1987 Anno Domini – 03h29:

“Esta criança simplesmente não dorme! E não pára de se mexer em sua cama. Mesmo daqui percebo que uma energia muito grande vem de dentro dele. Percebo mais uma coisa. Percebo que ele está triste. Ele está chorando… Penso que aparecer para ele neste momento faria ele levar um grande susto. Talvez seja melhor eu deixar de existir. Se eu estou aqui hoje nestas condições, será que eu mereço realmente uma chance? É algo que uma criança, ainda mais triste, não deveria decidir. É melhor que eu decida por mim mesmo. Parece que não vou para Elysium afinal. Vou embora! Eu não pertenço a lugar nenhum…

– Oi! – fala o menino – Não vá embora!”

CONTINUA…

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